quinta-feira, 14 de novembro de 2013

confissão comunitária

Se tudo for mesmo formado de espírito, vou me arrepender de não ter dedicado a minha vida ao crescimento espiritual, meu e dos outros, com mais afinco. Aposto dois kimbos que a metade do mundo faria muito mais se estivesse mais próxima dessa resposta. Evolução por evolução, dispensaria a complexidade das classificações jurídicas, teria perdido menos tempo com as fórmulas de Báscara, nem ligaria para a lei da gravidade. Até mesmo porque sempre achei que os espíritos voassem o tempo todo. Eu confesso, de pés no chão, que ainda penso que por mais católico apostólico romano que seja o indivíduo, corre o risco de se perder no ritualismo, até curioso de tão canônico das atividades dominicais em comparação com a simplicidade voante dos espíritos. Logo eu que fui coroinha por uns 10 anos.

E ainda assim, rodeada de todas essas mariposas de reflexão que me vêm à noite atormentar, acordo cedo para a reunião da Paróquia, tomada por um impulso meio eletrônico, meio programado por mim mesma, e pela ideia de que não tem mais volta, não por Deus, mas por tudo que representa toda a coisa que sempre fiz. Amo aquelas senhorinhas animadas, preocupadas, responsáveis e ranzinzas (todas as características em cada uma delas) que ficam desconsertadas com um sorriso sincero que às vezes eu dou a elas só para desconsertá-las. Amo ver os jovens indignados por serem tratados como um bolo solado, mas tragável, com identidade individual inexistente. As senhorinhas conhecem os jovens que são seus filhos, os que são amigos de seus filhos, e os que não vão na igreja. Os que estão na reunião são "os jovens". Os do contra, os irresponsáveis que vão tomar seus lugares um dia, mas só no futuro, felizmente esquecidos da impertinente ideia de por uma bateria no coral para animar a liturgia. Mas são importantes, e ai deles se não estiverem lá.
Amo quando elas começam a falar de seus casos particulares que as impedem de contribuir mais, seus calos, seu calores, suas dores nas pernas. Normalmente estarão no médico na terça, por isso não poderão ir à reunião, "desculpe padre". Aí a secretária passa para o próximo ponto e aquelas mais impacientes querem saber se falta muito ainda porque precisam sair, fazer o jantar ou o almoço porque seus filhos têm que comer!

Eu amo o fato de que seus filhos têm que comer e mesmo assim elas estão lá muito úteis e dispostas a ajudar porque sabem que para tudo funcionar elas são fundamentais. É uma coisa maior do que seus interesses pessoais, e sabem disso. Aquele envolvimento com o trabalho braçal somado ao espiritual é aquilo que se espera de quem valoriza e reconhece "o que vem do céu mas não cai do céu". E elas querem ver a coisa funcionar, ainda que do mesmo jeito que sempre funcionou, mas cada vez mais envolvente; querem ver lá dentro também seus maridos e filhos e querem depois de tudo agradecer a Deus pelo prazer de ver a família toda servindo ao funcionamento dessa coisa tão maior do que todos eles. Como não dizer que isso é digno? Como não amá-las?


Amar essas velhinhas contribui para o meu crescimento espiritual, estou certa disso. Existem muitas razões para que eu não as ame. Desde seus olhares repreendendo meus atrasos (por causa do ônibus, para onde foi o "não julgais?") que vão do meu cabelo rebelde à minha calça customizada, antilitúrgica. Mas se tudo for mesmo feito de espírito, o meu que fica voando dentro da minha roupa e não liga pra nada disso vai estar tranquilo quando do momento da acareação dos espíritos, (não que eu acredite que haja, mas seria engraçado se houvesse) quando sorrirei novamente pra elas, sinceramente como sempre, desejando que os olhares de sempre contra mim fossem só zelo. Acho que são.  Mas eu bem confesso, aproveitando a oportunidade, que queria que elas reencarnassem como jovens religiosas e que seus ônibus atrasassem às vezes, só para sentirem essa emoção.

Um comentário:

  1. Qriiida, cada dia q passa fico mais admirada com a beleza q vc escreve, de como suas palavras pode transmitir sentimentos, e faz ter sensações maravilhosas. Sinceramente, você me faz ter prazer em ler e mostra tudo de um modo real, porém maravilhoso, expressa a beleza da vida q qse sempre passa despercebida. Fico imensamente feliz em te conhecer, e espero um dia poder ser agraciada de ter um de seus textos dedicados a mim, ou simplesmente ser descrita de alguma forma em um deles. Pq sério, p mim você é a Melhor escritora q existe!!

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