sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sim


  Ela dizia num sussurro intenso para si mesma, como quem tenta se convencer do que diz:

- (Meu Deus do céu, meu Deus, deixa eu sentar). Que isso, meu Deus. Que iiiisssssso.

Abria e fechava os olhos, para conferir se focavam bem. Focavam agora, já passados muitos minutos. Só agora conseguia falar.

-O que que é ...essa coisa que aconteceu, meu Deus, ai, deixa eu sentar, cadê aquele banquinho que o José me deu.
Ela estava de pé há muito tempo, o braço esquerdo apoiado no parapeito da janela. Os dedos das mãos esticados, que já não tremiam mais, tateavam o ambiente a procura do assento.

-Que foi minha filha, vi um clarão lá de longe do morro, larguei as cumbucas de água lá fora, que é que houve? Você está pálida.

 - Mãe, Deus, mããe ...

Ela andou em direção à mãe com passos lentos pelo cômodo cor de argila, como se o corpo estivesse contra um vento forte. Se havia uma força dentro dela, era o que a mantinha de pé, mas de resto, estava descompreendendo seu corpo e seus movimentos. Mal conseguia saber se estava mesmo andando ou parada. Não entendia também como se levantara do acento de madeira. As lágrimas escorriam pela pele morena ressequida pelo sol, que nesta época do ano estava queimando ramos.

-Deus, mãe- E dizia baixo, como um segredo urgente - Deus, Aquele que é, o grande Pai, mãe – e soluçava- Mãe, não consigo te explicar, olha pra mim. Enxerga por mim, mãe.

Foi como se o tempo parasse. 



Ana segurou o rosto da filha, mirando-a com uma paciência, um zelo tão especial que fez suas mãos parecerem um abraço. Observou- a  por um tempo.
Durou o tempo da sombra que o banquinho produzia mudar de lugar, lentamente.  Ana, que sentia uma energia singular vindo de Maria, viu ali no lugar dos olhos algo como dois sóis, tamanho brilho e calor emanavam; as lágrimas, comparou-as com a chuva que não vinha há muito tempo. Torrenciais. Estavam envolvidas, as duas mulheres, por uma sensação de que nada daquilo parecia real, uma leveza absoluta, um frescor que antes vinha só da menina, mas que fora transmitida com o olhar de forma inexplicável. Soprou-se um vento no cabelo castanho dela, grudou no rosto molhado.  Maria repetiu com veemência, sem conseguir formar voz de verdade, os lábios finos ressecados moviam-se lentamente. A garganta arranhava cada letra que saia por ela:

- D- e-u- s, minha mãe, está   a-q-u-i   dentro.

Ana, que ainda segurava o rosto da filha, sentiu-se arrepiar dos pés à cabeça. Olhou ao redor para tentar entender o que a menina falava, mas subitamente abaixou a pálpebra para onde devia.
O tecido do vestido sobre a barriga muito magra enrugou-se pelo movimento de Maria, que queria olhar para si junto com a mãe. Acompanharam juntas o respirar e as batidas do coração, que lhe sacudia o corpo como se fossem dois no mesmo peito.

Lentamente voltaram a fixar olhar uma para a outra, sem dizerem-se mais nada.




Os dias seguiram-se chuvosos como se soubessem a necessidade de lavar toda a poeira que havia, para a chegada do menino mais puro e amoroso do qual se ouviu falar em toda a história.