quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

devaneio sortido

Perguntaram a ela o que via nesses homens errados...

Resolveu responder com a lembrança do último, errado demais... Furado e cortado e desenhado, cheirado e fumado e bebido, em guerra e em paz consigo mesmo quando queria. Barbado cerrado, com um dinheiro no bolso que era bastante seu, mas vinha da rescisão do contrato do último emprego que também não deu certo, como tantas outras coisas que fazia. Infeliz ou tanto faz.

Feliz não era.
Era brando como a fumaça do que tragava depois do que bebia, e como a bala que foi sua última ideia mal tida. Era cheio de histórias.


Era dotado da inteligência que escola nenhuma reconheceu. Era experiente porque de todas as suas dúvidas fazia testes empíricos, e assim aprendia. Falava do céu, dos solstícios, das alvoradas. Fez uma colocação interessante sobre os cursos que, na humilde opinião dele, as pessoas não deviam fazer. Do canto do pássaro, porque conhecia de pássaros.

 
Usava as palavras com sabedoria e, com receio de estar dizendo bobagem, ria e olhava com um olhar de quem pede permissão para prosseguir.


Sorria desacreditado às vezes em pensar que o momento que eles estavam tendo era para o mundo por demais inusitado. Ou o mundo tinha se formado errado e os dois vinham saltitando nessa contramão gostosa.


Nem em mil anos alguém como ela poderia gostar tanto daquele jeito dele. Mas ela não tinha vergonha de dizer que aquela barba e aquela voz daquele jeito eram sim sua perdição, e tudo nele, tudo nele fazia com que ela o quisesse.


Ele sabia que não iriam se casar, mas mesmo assim cuidava dela como se  fosse uma porcelana capaz de quebrar, e é claro que não podia, não nas mãos dele. Era por isso que ele segurava a mão dela daquele jeito, e ela apertava em resposta,  não ligando pra quem via.


Nem em mil anos uma garota não-apaixonada colocaria sua imagem em risco por um alguém assim tão errado. Talvez os erros que o levaram até ela o fazia crer que não valia a pena maltratar mais meninas. Cuidava dela como ninguém.


O mundo dele daquela noite tinha sido transformado porque ele beijou alguém que terminara o ensino médio antes da maioridade, raridade no mundo dele. E o mundo dela tinha sido transformado porque o mundo dele tinha sido transformado, e era o bastante pra ela.