quinta-feira, 18 de abril de 2013

Tinha que ser outra coisa

         O médico me disse que eu tinha 30 dias de vida.


         Eu já ouvi muitas frases fortes na vida, algumas proferidas por filósofos, outras por músicos, outras por meu pai. Todas elas foram consideradas fortes porque me fizeram refletir sobre a maneira como eu levava a minha vida ou a maneira como eu encarava a vida de um modo geral. Essa, porém, foi a frase mais importante que ouvi na vida, porque me fez refletir sobre a morte, e morte é o fato mais interessante que existe sobre a vida. Para mim ela não é apenas mais um fato, mas é o último. O que a torna tão interessante é que ela tem a possibilidade de mudar toda a sua vida. Pessoas depois de mortas viram santas, talvez sem terem merecido. Outras viram ícones, por uma ou outra atitude que em vida, se contada em um post no facebook não valeria mais de três ou quatro compartilhamentos. Alguns são lembrados por muito tempo ainda, pois deixaram em testamento o pedido de que sua casa virasse um museu para visitação... Outros xilogravaram um coração na árvore do quintal do primeiro amor, que desiludido repara o risco que perecerá junto com a árvore na geração seguinte. Outra questão é que a morte tem, não só o condão de mudar a sua vida após a morte como também mudá-la enquanto a espera.
           Não me importava refletir, de qualquer forma, eu não tinha mais tempo.
           A primeira coisa que me passara pela cabeça foi esbofetear o médico; Assim como numa história triste de alguém condenado a morte, sempre achei que o maior culpado pela morte do condenado não era somente ele pelo crime cometido, mas também aquele que ligava a máquina que o mataria. A doença me levou àquele consultório, mas o médico entregou-me um pacote maldito, uma notícia drástica. A  m-o-r-t-e, que saltou eufemismada da boca do doutor passava a ser meu animal de estimação, minha cadeira elétrica presa numa coleira e algemada em meu pulso, segurando minha pulsação que agora fazia contagem regressiva. Mas os pensamentos, meio que adaptados a minha nova realidade foram formando-se mais rapidamente que o normal, dando-me a ciência de que eu não tinha tempo para lidar com as consequências de um tapa na cara de alguém. Eu não tinha tempo para muitos dos atos para os quais eu tinha tempo há 30 segundos atrás. Eu não tinha tempo para parar para pensar. Resolvi literalmente pensar correndo.

         Corri escadas abaixo, corri pelos corredores, corri pelas ruas, corri pelas escadas do meu apartamento, corri sala adentro, em direção ao meu guarda roupa. Peguei uma mala. Corri ao enchê-la com qualquer coisa. Depois parei de correr. Decidi pensar parada, porque se eu realmente tiver que realizar tudo que pretendo agora, não posso esquecer coisas como um carregador de celular.
Ia perder tempo num ônibus. Não queria utilizar os métodos comuns para que o tempo passasse rápido, como ouvir música ou ler. Se fosse ler, teria que ser resumos rápidos. Se fosse ouvir música, Precisava ser ao vivo, eu não tinha tempo para gravações.

       "Encontre o que você ama e deixe isso te matar."

        Lembrei dessa frase e ela ecoou pelos meus ossos, enquanto corria o tempo que eu me permiti parar. "Encontre o que você ama e deixe isso te matar." Eu não podia deixar a morte me matar, tinha que ser outra coisa. Mas eu amava muita coisa. Família, amigos e cão de estimação, principalmente. Depois o sol. Depois a música "elephant gun".  Se você reconhece a magnitude daquela frase de Charles Bukowski, tem que aceitar que Amy Winehouse, Chorão e Elis Regina tiveram finais... certos. Eles amavam tanto aquela sensação a que se submetiam... Se acha que a morte deles não foi digna, a realidade é que não existe morte digna, apenas vida, e eles a tiveram. Eu não me oponho a esta ideia, pois amor, gosto e sinal de nascença, cada um tem o seu, e é melhor não discutir. Não dá pra escolher entre amores mais amados. Então mudei a frase, a meu gosto: Encontre o amor mais legal e deixe isso te matar.
      Eu havia encontrato algo, há três anos atrás. Um rapaz legal, pobre e cheio de sonhos como eu. Então não era atrás da minha família que eu pretendia ir, não era atrás de meus amigos. Para eles eu planejei uma carta chorosa e grata para ser escrita dentro do ônibus. E não importava o quão tristes todos ficariam ao saber que o pouco tempo de vida que eu tinha, eles não o viveram comigo, pois eu não podia perder meu tempo sofrendo com o futuro sofrimento dos meus amores. Eu só tinha tempo para encontrar o meu amor mais legal, e tinha que ser isso. Peguei minhas coisas e coloquei mesmo na mala, com uma roupa qualquer, uma maçã, o número do telefone dele, subi no ônibus.

      Separei o vestido do encontro.
      Separei um lenço florido para o cabelo.
      Construí espectativas enquanto escrevia minhas cartas.
      Toquei campainhas e fiz crianças rirem.
      Beijei o homem que me deu instruções de como chegar ao meu destino.
      Roubei flores de uma floricultura.
      Ouvi música sim.
      Encontrei meu amor e morri.

      Se alguém escrevesse um livro sobre isso, seria curto, comum. Meus dias finais não possuirão mais detalhes para serem contados. Não quis deixar detalhes para não ter que disputar minha imortalidade com tantos outros. Nem quis virar santa. Fui feliz na vida e tive sorte de encontrar meu amor em casa. Se eu tivesse mais de trinta dias, encontraria todos os meus amores em casa. Se eu tivesse um dia, ficaria em casa. Se eu tivesse trinta anos... escreveria uma história, basearia ela em um ou dois fatos reais e colocaria algum drama para lembrar as pessoas da brevidade da vida e de seus amores legais.